segunda-feira, junho 02, 2008

Plágio Descarado

- É que eu te achei meio maluco e lembrei que já tenho muitos amigos pra administrar.

- Eu ia mesmo falar sobre amigos.

- Rapaz, a gente se conheceu na saída de um cinema, eu esperando a minha namorada retocar; não, retocar, não, ela não retoca a maquiagem quando vai ao banheiro, ela recoloca, ela sai uma arara amazônica, mas, eu estou lhe dizendo, eu fumava um cigarro pra só esperar que ela voltasse do banheiro! De repente me sopra até a orelha um vendaval de saliva retórica, uma mamata fraca, um papíssimo furado e ainda por cima chato, do tipo do qual eu não tive o menor saco nem pra não esquecer, olha só essa frase!

- Eu só queria...

- Eu só queria é o caralho. Eu é que só queria beber um vinhozinho de ruim pra razoável, comericar umas porçõezinhas charmosas e voltar pra casa, trepar de novo, mais nada! Você olha só o tanto de palavrão pra que eu tô tendo que apelar, olha o meu tom de voz, você olha só o meu nervosismo! Você, por favor, você pára de me atazanar.

- Falando em você, viu o último do Kiarostami?

- Pu, ta que me pariu. É disso que eu tô falando! Aaahg, você tá tentando me deixar maluco, olha pro meu cabelo, olha a minha mão destruindo o meu cabelo, qualquer um sabe melhor do que ninguém que eu nunca esbarro no meu cabelo, que o meu cabelo é um saco, dá trabalho, coça... É foda, você olha que tu tá me deixando maluco, arruma outra roça pras tuas batatas; planta, mas longe daqui!

- É disso que eu tô falando.

- Disso, o quê?

- Batatas. Se você reparar direitinho, o Bentes, aquele professor que escreveu um livrão sobre o Kiarostami, eu até tenho lá em casa, se você quiser dar uma olhada a gente pode marcar de trocar umas idéias sobre ele, fazer uma leitura, tentar um debate; nesse livro do Kiarostami, não do Kiarostami, não, sobre o Kiarostami, do Bentes, o tal professor, ele rima umas falas baratas sobre batatas.

- Eu desisto. Olha só a que nível eu cheguei. Olha. Olha a minha calça. Olha a... Eu me mijei. Me mijei depois dos quarenta, agora eu só paro quando parar de vez de mijar... Olha só a minha vida.

- Continua assim. Sem perceber, você está pegando o espírito. É isso aí. Mijar. Você já ouviu falar que batata sua?

- Que batata minha?

- Que batata sua do verbo suor!

- Ar! Do verbo suar!

- Você vai tentar de novo tirar onda com a minha cara, mas dessa vez não vai rolar. Ar. Me escuta ao menos uma vez.

- Me promete que essa é ao menos a última.

- O que eu estou lhe dizendo é que batata sua menos do que mija.

- Não.

- Não o quê?

- O Kiarostami não fala sobre batata mijando nem aqui nem na puta que pariu, de novo. Olha só o espasmo na minha perna, olha só o espasmo!

- É esse o problema do ser humano, a sua raça, vocês são céticos. Nós não somos.

- Outro!

- Que vocês são

- Espasmo.

- são muito emparedados, estão mais pra lesma do que pra pérola.

- Meu rapaz, eu só queria dizer que lhe agradeço pela sua simpatia, por você ter me achado um cara legal, por ter achado que eu sou obrigado a ouv, não, respira; eu te agradeço por tudo, meu camarada, mas eu realmente não vou mais poder lhe dar atenção. Na vida. Atenção na vida, eu tô falando. Não leva a mal. O problema tá em m, digo, então é isso, fica-se tudo assim, boa sorte e até mais ver.

-

- Até mais ver, não, até até, até porque a gente não vai mais se ver.

-

- Eu espero que você tenha entendido.

- A batata mija...

- Basta.

- A batava mijav...

- Fim, rapaz, fi-nhê, fim, acabou.

- AbatatamijavalágrimasnofilmedoKiaros...

- Não quero mais ouvir. Acabou.









- Ei!