quinta-feira, julho 17, 2008

O bagaço feliz


A solidão bonita e amarela, já a ausência é uma merda.


That's what I call saudade, my friend.



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segunda-feira, junho 02, 2008

Plágio Descarado

- É que eu te achei meio maluco e lembrei que já tenho muitos amigos pra administrar.

- Eu ia mesmo falar sobre amigos.

- Rapaz, a gente se conheceu na saída de um cinema, eu esperando a minha namorada retocar; não, retocar, não, ela não retoca a maquiagem quando vai ao banheiro, ela recoloca, ela sai uma arara amazônica, mas, eu estou lhe dizendo, eu fumava um cigarro pra só esperar que ela voltasse do banheiro! De repente me sopra até a orelha um vendaval de saliva retórica, uma mamata fraca, um papíssimo furado e ainda por cima chato, do tipo do qual eu não tive o menor saco nem pra não esquecer, olha só essa frase!

- Eu só queria...

- Eu só queria é o caralho. Eu é que só queria beber um vinhozinho de ruim pra razoável, comericar umas porçõezinhas charmosas e voltar pra casa, trepar de novo, mais nada! Você olha só o tanto de palavrão pra que eu tô tendo que apelar, olha o meu tom de voz, você olha só o meu nervosismo! Você, por favor, você pára de me atazanar.

- Falando em você, viu o último do Kiarostami?

- Pu, ta que me pariu. É disso que eu tô falando! Aaahg, você tá tentando me deixar maluco, olha pro meu cabelo, olha a minha mão destruindo o meu cabelo, qualquer um sabe melhor do que ninguém que eu nunca esbarro no meu cabelo, que o meu cabelo é um saco, dá trabalho, coça... É foda, você olha que tu tá me deixando maluco, arruma outra roça pras tuas batatas; planta, mas longe daqui!

- É disso que eu tô falando.

- Disso, o quê?

- Batatas. Se você reparar direitinho, o Bentes, aquele professor que escreveu um livrão sobre o Kiarostami, eu até tenho lá em casa, se você quiser dar uma olhada a gente pode marcar de trocar umas idéias sobre ele, fazer uma leitura, tentar um debate; nesse livro do Kiarostami, não do Kiarostami, não, sobre o Kiarostami, do Bentes, o tal professor, ele rima umas falas baratas sobre batatas.

- Eu desisto. Olha só a que nível eu cheguei. Olha. Olha a minha calça. Olha a... Eu me mijei. Me mijei depois dos quarenta, agora eu só paro quando parar de vez de mijar... Olha só a minha vida.

- Continua assim. Sem perceber, você está pegando o espírito. É isso aí. Mijar. Você já ouviu falar que batata sua?

- Que batata minha?

- Que batata sua do verbo suor!

- Ar! Do verbo suar!

- Você vai tentar de novo tirar onda com a minha cara, mas dessa vez não vai rolar. Ar. Me escuta ao menos uma vez.

- Me promete que essa é ao menos a última.

- O que eu estou lhe dizendo é que batata sua menos do que mija.

- Não.

- Não o quê?

- O Kiarostami não fala sobre batata mijando nem aqui nem na puta que pariu, de novo. Olha só o espasmo na minha perna, olha só o espasmo!

- É esse o problema do ser humano, a sua raça, vocês são céticos. Nós não somos.

- Outro!

- Que vocês são

- Espasmo.

- são muito emparedados, estão mais pra lesma do que pra pérola.

- Meu rapaz, eu só queria dizer que lhe agradeço pela sua simpatia, por você ter me achado um cara legal, por ter achado que eu sou obrigado a ouv, não, respira; eu te agradeço por tudo, meu camarada, mas eu realmente não vou mais poder lhe dar atenção. Na vida. Atenção na vida, eu tô falando. Não leva a mal. O problema tá em m, digo, então é isso, fica-se tudo assim, boa sorte e até mais ver.

-

- Até mais ver, não, até até, até porque a gente não vai mais se ver.

-

- Eu espero que você tenha entendido.

- A batata mija...

- Basta.

- A batava mijav...

- Fim, rapaz, fi-nhê, fim, acabou.

- AbatatamijavalágrimasnofilmedoKiaros...

- Não quero mais ouvir. Acabou.









- Ei!

sábado, maio 31, 2008

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exercício de empobrecimento da rima - parte XXX.


estudo obsceno da poesia e o teatro - parte IV.

05.2008 - R.


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"... e quando eu te olho no espelho, eu fico vermelho. Um beijo".

narrador

Foi forte aquela carta, foi coisa pesada. A menina ficou estatelada, no banheiro, pelada, e só voltou à parada, só depois de umouduas talagadas numa velha cachaça já escassa, coitada, velhaça.


atriz seminua perambulando por um quarto, mãos na cabeça e as costas semi-cordundas, um papel na mão direita e, na esquerda, um gargalo.


narrador

Desgrudou do espelho o papel e pensou muito sério em bordel, nem pegou o chapéu - voz masculina em off, bem atormentada, ressequida, impostada, meio tremida, embaçada- "... e, meu bem, você sabe que eu nem sei bem quem, sei quem vem, só que isso não dá pra provar, porque aqui eu só tenho o pensar e, apesar de te amar, não vou nem suportar essa sina tão pobre, tão esnobe e verbal e moral, sexo anal, e o cigarro aqui aceso ao meu lado não vai me acalmar..." - narrador - porque se lembrou dessa frase com desbunde, sujou a saia.



narrador


Tomas Carlos estava pinel, só podia. Uma carta assim dessa valia, tamanha esquizofrenia, ele não fazia sentido, estava destrambelhado, perdido, acabado, e esse maldito inseto insensato ainda a deixou sem sapato no meio de um quarto tão desarrumado, que, coitado, se chovesse um bocado ficava enlameado, encharcado: os móveis começavam a se quebrar.


atriz sentada no meio da sala, saia branca rodada, véu e grinalda, olhando para cima e ouvindo o teto rachar - sonoplastia.


luz de trovão e barulho de raio pela janela - atenção, sonoplastia, atenção.


narrador

O primeiro a rachar foi um vaso italiano, feito em vidro de Murano, com um formato humano e que, se não me engano, lhe foi dado por Tomas Carlos - não era coisa de qualquer beltrano, vinha de gato escaldado. E agora, quem diria! Tomas estava abobado, lhe escrevera uma carta demasiado defasada, sem nem pé nem cabeça, sem nada - ou de novo: pelada.


nua, atriz deitada numa rede, pernas pendendo cada uma para o seu lado. não encostam no chão - em suas mãos, lê-se uma carta.


luz caprichada, afinada.


voz masculina em off, timbre de peito arfante

"... O que aconteceu ontem não foi digno de nota, nenhuma, além, é claro, além do obtuário, daquele canto escuro do jornal, onde o papel é semipreto e ele mancha, ele é cheio de câncer, é cheio de tubos, cheio de balas, de balas, oposto oeste da sua Coluna Sozzial.
Eu preciso de tempo! - música compassada e grave, soturna, até que surge uma flauta, aguda, afinada, restauradora - Me espanta... Ao menos tenta. Se desencanta, vê se se faz menos bela, perde o brilho, perde esse seu sorisso, e o canto do seu olho, e as ruguinhas, as ruguinhas do canto desse seu olho, o sorriso! E esse gosto de banho, o teu corpo castanho, cor de biquini, espontâneo, tão curvilíneo e mundano, cheiro de delícia, tato à le bacanal, minha menina linda, você não tem nome, você é homme".


a flauta some em um fade orgânico, sopro mais leve.

a atriz está encurralada entre móveis e a escada, com a maquiagem pesada inteira borrada.

a chuva some e a sala se faz clara. a atriz se levanta, o pescoço esticado, ela respira, mas fecha o olho, ela se retira e a cortina,


a cortina é fechada.


Trinta e três vivas à mais pura chanchada!

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segunda-feira, abril 14, 2008

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SOMOS SÃO É

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Tem poesia aqui, Marli

Fechou. Eu aproveitei pra descer e atravessar a rua bem rápido, antes que o outro lado do cruzamento começasse a chover aqueles carros todos. A avenida era só mais uma dessas grandes, em cidades grandes, com trânsito o dia inteiro e movimento razoável tarde da noite. Comigo, no ponto de ônibus, dois caras distraídos e um casal mais afastado, à doutores de alegria, se amassando numa árvore dessas normais em avenidas grandes, em cidades grandes.


O mais gordo dos dois caras apanhou logo um ônibus. Em frente ao tal ponto estacionou em seguida um carro largo, pisca-alerta cumprindo o seu papel, e eis que dele me sai um cara de macacão prateado com uma logomarca esquisita na nuca, duas palavras quaisquer em inglês, e abre à chave o porta-malas sem a menor pressa. Dois baldes, dois panos e aquela vassoura caduca e careca. Rodo. Até aí eu ainda não prestava atenção e continuava a olhar puto pro relógio da esquina - mais um desses sádicos, que insistem por quarenta segundos na merda da temperatura antes de só confirmarem que você está de fato atrasado e que a mesma desculpa mulambenta, Monique, mais uma vez, não vai colar. Respirei fundo.


E dei aquela olhada em volta. O ponto de ônibus era daqueles com um vidro enorme, estrutura grande de ferro escuro e cartazes de peças de quinta, pregados em vitrines iluminadas por lâmpadas de banheiro. Típico ponto de ônibus grande de uma cidade grande, logo em frente a um restaurante. O vidro. O vidro já estava completamente encharcado e cheio de espuma branca, aumentando além da conta aquele friozinho que bate com vento gelado na rua, depois da meia noite. Eu já quase me arrependia por não prestar atenção no sabe lá como aquele cara molhou e ensaboou aquela vidralha toda, mas essa hora desistiu do silêncio. Foi quando começou o concerto.


Com c.


O rodo fazia e repetia um mesmo caminho, sob a mesmíssima velocidade, e não deixava nenhum senão nem seco, nem sujo. O outro cara, o de preto, que também devia estar tentando esperar um ônibus, acompanhava atento os lentos movimentos verticais, mexendo de vez em quando a cabeça, enquanto eu me concentrava quase tenso nas linhas tortas que ele fazia, paralelas ao chão, mais uma vez. Volta e meia acontecia do cara de preto olhar em volta, meio a segurar um sorriso criançola, criando um palíndromo e concluindo gerúndio que eu provavelmente estaria pensando, e literalmente, no seguinte óvbio: “Caramba, eu nunca parei nem pra considerar que existisse um cara especialmente dedicado à limpeza de pontos de ônibus". Mesmo em cidades grandes.


E eu pensava exatamente no mesmo de volta, aí nasceu o cacófato corno do palíndromo fado. Podia-se chamar sem culpa aquele artista de elegante, doutor em aula de elegância, também e justamente pelo fato d’ele saber que era inegavelmente assistido e, assim mesmo, não se distrair em nenhum momento e cumprir seu papel muito além da simples faxina. Ele era nem maestro, sabia também e não pouco de coreografia. Nós dois, envergonhados, meio cansados de olhar para os lados, já quase parávamos de assistir e procurávamos a merda do relógio para disfarçar, quando enfim chega aquela mulher.

Tinha poesia ali, Marli. Antes que eu explique: